segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O negociador americano

Reportagem publicada no G1 em 21 de dezembro de 2009, traz entrevista com James Green, especialista na relação entre Brasil e Estados Unidos durante a ditadura, comentando a morte do embaixador Lincoln Gordon, nunciada no mesmo dia da entrevista.

Lincoln Gordon mudou a história do Brasil, diz historiador americano

A atuação do diplomata norte-americano Lincoln Gordon, embaixador no Brasil entre 1961 e 1966 que morreu no último sábado aos 96 anos, “mudou a história do Brasil”, segundo o professor James Green, especialista em história do país que acaba de lançar um livro a respeito da relação entre os governos das duas nações durante a ditadura.

“Ele mudou a história do Brasil, pois deu a luz verde para que os militares dessem o golpe de 1964. Ele deixou claro que, se o golpe fosse dado, os Estados Unidos iam reconhecer imediatamente os militares no poder. E ele ainda pressionou a Casa Branca, conseguindo que o governo desse uma declaração de apoio ao golpe imediatamente, o que foi fundamental”, disse Green, em entrevista ao G1 por telefone nesta segunda-feira (21), falando português fluente.

O pesquisador americano da universidade Brown contou que estava tentando entrevistar o diplomata, e que havia encontrado Gordon em 2007, quando ele estava saudável e jogando tênis, apesar dos 94 anos. Green acaba de lançar no Brasil o livro “Apesar de vocês”, em que descreve os movimentos contra a ditadura brasileira que existiam nos Estados Unidos, apesar do claro apoio do governo do seu país aos militares. Segundo ele, em certo sentido, a morte do diplomata encerra um capítulo sobre a história do Brasil, pois trata-se de um participantes do golpe. “É uma parte triste também da história norte-americana.”

“Gordon ajudou os militares pessoalmente porque tinha uma visão de mundo moldada pela Guerra Fria, era anticomunista e realmente achava que o Brasil estava à beira de uma revolução comunista. A trajetória dele durante a Segunda Guerra Mundial, na Europa após o conflito, fazia com que ele tivesse muito esta mentalidade e achava que o Brasil ia ser a próxima Cuba se não fossem os militares”, contou Green.

Green também escreveu um artigo sobre o discurso de Gordon a partir de 1964, alegando que ele, ao longo dos anos, modificou sua justificativa para o golpe militar de 1964. Apesar de várias pesquisas já terem encontrado indícios do apoio de Gordon ao golpe, o diplomata norte-americano morreu negando que nunca houve atividade de conspiração com os militares.

Segundo o pesquisador, o embaixador continuou negando a participação no golpe porque achava que estava fazendo uma coisa correta e boa e tentava indicar que havia sido uma coisa inocente. Segundo Green, o diplomata estava escrevendo suas memórias. “Eu gostaria de ter lido mais uma vez o que ele ia dizer para justificar a atuação no golpe. Não sei se ele tinha arquivos pessoais que possam ser pesquisados. Isso seria muito interessante de ver.”

Participação zero
Três anos antes da descoberta e divulgação dos documentos que comprovaram a participação de Gordon e da CIA no apoio ao golpe no Brasil, em 2006, o diplomata deu um longa entrevista ao Fantástico. Na conversa, ele negava o envolvimento norte-americano no golpe militar. Na época com 89 anos, logo após a publicação de um livro, Gordon fez uma ressalva logo no início da entrevista, dizendo que os EUA não participaram diretamente da deposição do presidente brasileiro. "Participação ativa foi praticamente zero", diz Gordon.

Na entrevista, ele confirmou que a agência norte-americana de inteligência (CIA) havia ajudado financeiramente os candidatos simpáticos aos Estados Unidos nas eleições de 1962 no Brasil. Na época, ele dizia que a CIA não deveria ter dado ajuda em dinheiro aos adversários de João Goulart. "Com a passagem de tempo, eu considerei um erro da nossa parte. Foi usado como donativo para distribuir entre simpatizantes dos Estados Unidos. Nunca vi a lista, eu não estava envolvido pessoalmente no processo. Foi uma ação da CIA", contou Gordon.

Daniel Buarque

Fama e anonimato

Reportagem publicada no G1 em 12 de dezembro de 2009, após análise dos três primeiros relatórios trimestrais sobre a visão internacional do Brasil, realizado por agência de comunicação. Tem ainda entrevista com a coordenadora do levantamento.

Jornais internacionais mostram Brasil como ator global em 2009, diz pesquisa

A reação rápida do Brasil à crise econômica mundial, demonstrada por um crescimento do PIB maior que o dos países desenvolvidos no terceiro trimestre, fez com que o Brasil se consolidasse como um importante ator no cenário internacional no ano de 2009, conforme se pode perceber na maneira como o país foi tratado pela imprensa de diferentes regiões do planeta. Segundo um levantamento realizado por uma agência brasileira, deve haver em 2009 mais de 3.000 referências ao país em 14 das principais publicações do mundo. E, na maioria delas, a visão tem sido positiva.

O Boletim Brasil é realizado pela Imagem Corporativa, agência que monitora desde o início do ano todas as reportagens relacionadas ao Brasil em 14 jornais internacionais, publicando os resultados em relatórios trimestrais. De janeiro a setembro, o país foi citado em 2.367 reportagens, e 79,8% delas tinham teor favorável ao país, destacando a diminuição na vulnerabilidade da economia interna e a rápida reversão do quadro de crise.

"Este quarto trimestre está seguindo a mesma linha. Estamos percebendo um aumento no número de matérias, por mais que não possa garantir que o número total no fim do mês vai ser maior de que nos anteriores, mas há muitas matérias falando sobre o Brasil na imprensa internacional", disse ao G1 Fernanda Arimura, coordenadora da pesquisa que envolve o trabalho de oito pessoas. Segundo ela, a principal tendência ao longo do ano é a consolidação da visão do Brasil como ator global. “Isso está presente desde o primeiro boletim, mostrando a posição diferenciada em relação à crise.”

Os relatórios publicados ao longo do ano mostram uma melhora na imagem do Brasil nas reportagens. Nos três primeiros meses, por exemplo, apenas 73% dos textos que se referiam ao país tinham tom positivo. “No começo do ano, havia uma forte referência da vulnerabilidade do Brasil, matérias mostrando que o país é vulnerável para investimentos, mostrando a queda da Bovespa, por exemplo. Pelo menos 13% das reportagens no primeiro trimestre tratavam disso, mas este assunto esteve apenas em 2% das matérias no terceiro trimestre, num movimento que acompanhou a crise, mudando a percepção do Brasil no mercado internacional.”

O impacto do anúncio do crescimento PIB brasileiro, na última quinta-feira (10), entretanto, ainda não havia sido estudado pela agência. Os dados analisados são coletados nas versões impressas das publicações, não dando conta do ritmo de divulgação de notícias pela internet em tempo real.

Política
Segundo a coordenadora da agência responsável pelo levantamento, por mais que o foco principal da atenção dada ao Brasil ao longo do ano seja em relação à economia, o estudo do tratamento dado ao país na mídia internacional mostra também uma visão positiva da política brasileira.

"A visão do Brasil está mudando muito até na questão política. O país aparece também como ator global, principalmente pela atuaçao do presidente, que tem uma imagem boa la fora. Só em alguns momentos, como no caso de Honduras, há referências negativas, mas no geral a imagem é positiva, de alguém que tem um papel relevante, que é ouvido e que é considerado", disse. Ela nega, entretanto, qualquer motivação política do trabalho, que é voltado para oferecer informações às empresas clientes da agência, muitas das quais têm atuação internacional.

Segundo Arimura, a agência já fazia outros tipos de análise da imprensa internacional, tratando de setores da economia, como o automotivo, por exemplo. O trabalho iniciado em 2009, entretanto, busca uma visão mais generalizada de como o Brasil é visto no exterior. "Procuramos identificar jornais importantes, de locais relevantes e que conseguíssemos acessar no Brasil. Primeiro selecionamos as regiões que precisávamos acompanhar, e depois os veículos."

O Boletim Brasil é produzido pela agência de comunicação Imagem Corporativa com base no monitoramento de 14 jornais internacionais: Asahi Shimbun (Japão), China Daily (China), Clarín (Argentina), El Mercurio (Chile), El País (Espanha), Financial Times (Reino Unido), The New York Times (EUA), Le Monde (França), RIA Novosti (Rússia), The Economist (Reino Unido), The Times of India (Índia), "The Economic Times of India", Wall Street Journal (EUA) e Washington Post (EUA). Ele reúne e analisa referências ao Brasil em reportagens de política e economia com o objetivo de apontar a percepção da mídia internacional sobre o país.

Segundo a coordenadora, entretanto, nem sempre está claro na reportagem o tom positivo ou negativo, e é preciso discutir a ideia transmitida pelo texto. "Oito pessoas trabalham neste levantamento. São muitas matérias, e precisamos dividir o trabalho. às vezes precisamos discutir para saber se a matéria é positiva ou negativa, pois nem sempre é muito claro o tom e a forma como o Brasil é tratado. Uma matéria sobre o acidente aéreo [do voo 447], por exemplo, pode ter um tratamento positivo, por mais que seja uma reportagem naturalmente negativa.”

Daniel Buarque

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Política à parte

Infográfico publicado no G1 em 5 de dezembro de 2009, como parte da reportagem sobre a relação entre Brasil e Estados Unidos. Ele elenca os assuntos em debate na política internacional dos dois países, mostrando onde eles discordam.

Pontos de discórdia entre Brasil e Estados Unidos

Amigos para sempre

Reportagem publicada no G1 em 5 de dezembro de 2009, após pesquisa e entrevistas sobre a histórica relação entre Brasil e Estados Unidos.

Parceria entre Brasil e EUA não se abala com discórdias, dizem pesquisadores


"Brasil e Estados Unidos são como dois amigos de longa data: um sempre espera poder contar com o apoio do outro. Por mais que eles às vezes se afastem um pouco um do outro, que discordem e até possam esquecer de dar o valor e o prestígio que o outro amigo merece, eles nunca rompem este laço." A descrição foi feita pelo professor de história do Brasil na Universidade de New Hampshire. Frank D. McCann, em entrevista ao G1, explicando que a troca de cartas entre Barack Obama e Luiz Inácio Lula da Silva, quando o iraniano Mahmoud Ahmadinejad esteve em Brasília há uma semana, evidenciou que os dois países nem sempre concordam, mas as eventuais discordâncias fazem parte da relação entre os dois "amigos".

De fato, o contato entre os dois presidentes se deu de forma aparentemente amigável e respeitosa, mas deixou claro que, em um ano em que o Brasil atuou de forma intensa tentando ganhar prestígio no cenário da política internacional, seja em Honduras, na Colômbia, no Oriente Médio ou mesmo na relação bilateral com os próprios EUA, os dois países pensam de forma diferente em muitas das questões mais importantes para o mundo atual.

Assim como McCann, outros três pesquisadores da relação entre o Brasil e os EUA deixaram claro que não há tensão na relação entre os dois países, argumentando que todo contato internacional em política e economia tem altos e baixos, e que a diplomacia dos dois países é mais uma relação de parceria do que uma puramente hegemônica.

Falta de atenção
O que aconteceu neste 2009, explicou o professor de Relações Internacionais da Universidade Stanford, Thomas O'Keefe, foi que os Estados Unidos simplesmente não deram atenção ao Brasil e ao restante do continente. "Parece haver um entendimento, por parte do governo Obama, que existem tantos problemas mais sérios para resolver internamente e no exterior, de que ele não tem o tempo e o dinheiro para enfocar a situação da América do Sul. Nesta situação, ele parece ter deixado o Brasil assumir um papel de liderança", disse.

Segundo Steven Topik, chefe do departamento de história da Universidade da Califórnia em Irvine, que estuda a história do Brasil e da América Latina, o interesse norte-americano no Brasil diminuiu desde 2001.

"Os Estados Unidos não estão prestando muita atenção na região, o que é bom para ela. Os EUA estão tão focados no Oriente Médio, que foi possível ver esta onda rosa na América Latina, com quase todos os países, menos a Colômbia, desenvolvendo projetos políticos próprios e independentes. Os Estados unidos não estão prestando atenção, e uma prova é o fato de que Obama levou seis meses para indicar um novo embaixador. A região é importante para as relações comerciais, mas, em termos de de preocupação estratégica, não é a prioridade", disse.

O envio da carta de Obama, explicaram os pesquisadores, serviu para mostrar que, mesmo sem dar tanta atenção quanto o Brasil merece, o "amigo" do norte continua ali, e não quer perder prestígio, nem mesmo quando alguém com quem tem uma disputa, o Irã, visita a casa do amigo.

Dependência e parceria
Pelo lado do Brasil, explicou Topik, o que acontece quando o Itamaraty abre espaço em sua agenda para os "inimigos" dos Estados Unidos, é um comportamento que se repete no país, como uma busca pela "diversificação da dependência".

"O Brasil sempre tentou equilibrar os diferentes poderes do mundo, e isso está acontecendo agora, com a visita de Ahmadinejad. Isso começou bem antes, e a situação agora é diferente porque a posição brasileira é mais forte. É a postura comum do Brasil de parecer romper", disse, alegando, entretanto, que isso faz parte do jogo da política internacional, e que não ameaça a relação com os Estados Unidos. Ele disse ainda que em 30 anos de estudo do Brasil, nunca encontrou exemplos práticos de uma "dependência real" do Brasil em relação aos EUA, sendo a relação muito mais equilibrada de que se pensa.

É a mesma opinião de O'Keefe. "A relação entre os dois países tem se tornado cada vez mais uma parceria. Não é mais o que houve no passado, em que o Brasil estava sob a hegemonia dos Estados Unidos. A relação amadureceu bastante no sentido de que há o entendimento de que o Brasil nem sempre vai seguir 100% a liderança dos Estados Unidos. E como é uma parceria, os Estados Unidos também vão ter que ceder em algumas áreas. Não chamaria de relação de dependência, a não ser que seja uma dependência mútua, que em muitos casos o Brasil pode estar à frente por conta de sua hegemonia regional na América do Sul", disse.

Segundo William Ratliff, pesquisador e curador no Instituto Hoover com experiência em América Latina e em política externa norte-americana, o governo Obama pensa que dois países na América Latina são centrais para os interesses dos Estados Unidos no Longo prazo: Brasil e México.

"A maioria das pessoas nos Estados Unidos estão impressionadas com muitas das políticas internas do governo Lula da Silva. Em assuntos internacionais, os EUA têm muita esperança, mas também alguma preocupação com o que o Brasil pode fazer. Há vastas áreas com potencial de cooperação, e mesmo o ex-presidente Bush teve uma atitude positiva em relação a esse potencial. Em meses recentes, vários assuntos apareceram nessa relação perturbaram as vibrações potencialmente positivas", disse, ressaltando que não há ruptura.

Daniel Buarque

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Run, run, run

Reportagem publicada no G1 em 30 de janeiro de 2009. Parte da série sobre brasileiros no exterior, conta da façanha do corredor que foi de um canto a outro dos Estados Unidos a pé em menos de dois meses. Entrevista feita por telefone após o fim da prova, mas ainda quente o suficiente para se tornar assunto da séria.

Corra, Carlos! Corra!

Carlos Dias está longe de ter o raciocínio lento, mas seu ritmo e seu fôlego nas pistas com certeza lembram o já clássico personagem-título do filme “Forrest Gump”, interpretado por Tom Hanks. A certa altura do filme, Forrest decide começar a correr sem parar e cruza mais de 5 mil quilômetros de um canto ao outro dos Estados Unidos assim, correndo.

Dias é autor de uma façanha parecida: em menos de dois meses, Dias foi de Nova York à Califórnia, percorrendo 5.130 quilômetros no total, uma média de 84 quilômetros por dia a uma velocidade máxima de 10 km/h para controlar o ritmo, chegando a passar 20 horas sem parar correndo. Foram 59 dias até completar a rota no início deste mês. "Chegamos um dia antes do programado”, contou ao G1.

“As pessoas me lembram do filme a cada minuto. A diferença é que no filme ele não tinha sentido naquilo que fazia, eu tinha um sentido de completar o percurso e de ajudar uma instituição de apoio a crianças com câncer”, disse. Para a empreitada, ele pôs à venda suas milhas, oferecendo parte do arrecadado para o Graac. “Vendemos poucas, mas conseguimos pelo menos puxar um pouco de repercussão, chamando a atenção para o Graac. A intenção era gerar benefícios para outras pessoas, e não buscar nada para mim. Hoje minha sensação é de dever cumprido.”

Formado em administração, Dias conta que já corre provas de longa distância há 16 anos, já completou mais de 74 maratonas e fez travessias, como em 2007, quando foi do Oiapoque ao Chuí, extremos norte e sul do Brasil, em 100 dias, batendo o recorde. Morador de São Bernardo do Campo, ele hoje vive de realizar provas, dar palestras e organizar corridas, parecendo buscar desafios diferentes de cada vez. “Foi a primeira vez que essa rota de uma ponta a outra dos EUA foi feita por um ultramaratonista”, disse.

No filme, Forrest Gump corre por três anos, dois meses, 14 dias e 16 horas - se seguisse o mesmo ritmo de Dias, teria feito 20 vezes o percurso de um canto ao outro do país.

De Leste a Oeste
O planejamento do percurso era detalhado e incluiu bateria de exames e treinamento. Toda a rota já estava traçada desde o começo e previa seguir sempre pela rodovia 80. No segundo dia correndo, entretanto, a polícia disse que eles não podiam seguir por ali, a não ser de carro. “Eles nos orientaram e seguimos pelas estradas paralelas da 80. Só no colorado que precisamos dar uma variada por causa das montanhas.”

A maior dificuldade enfrentada foi a mudança do clima, que é constante. “Deixamos Nova York com muito calor, pegamos chuva na Pensilvânia, vento no Nebraska, neve no Colorado, calor no deserto, mais neve em Nevada e mais calor na Califórnia. Administrar isso, a roupa certa no momento certo para melhorar o desempenho, é bem difícil”, contou.

Encontrar um lugar para dormir, depois da mudança da rota, era um desafio diário, mas também fonte de algumas das experiências que o maratonista considera das mais interessantes. “As pessoas foram entrando no nosso projeto, nos recebendo na casa deles, fomos fazendo amigos, ganhando novas famílias por todo o trajeto até chegar na Califórnia. Viajei achando que o norte-americano era frio e nada solidário, mas vi o oposto, pois eles nos ajudavam. Tivemos só coisas boas. Tinha gente que parava na estrada e convidava para ir à cada deles. Isso foi a coisa mais legal, e foi bem diferente do que há no Brasil.”

Dias afirma que não chegou a pensar em desistir em momento algum, mas logo no início, depois de entrar em Indiana, estava muito cansado e achava que não conseguiria completar a prova dentro do cronograma programado. “É preciso ser paciente o tempo todo, mesmo cansado física e mentalmente. Tentava controlar a ansiedade.”

A concentração era muito grande e ele terminava exausto no final do dia. “Não dava para conhecer as cidades nem nada, mas dava para conhecer pessoas, conversar, melhorar o inglês. Hoje eu conheço os EUA mais de que muitos americanos, pois passamos por mais de 700 cidades, percebemos as mudanças culturais, as paisagens, as comidas, tudo o que muita gente não conhece.”

Dias agora vai fazer treinamento para novas provas a partir de abril, quando pretende correr quatro desertos: na Austrália, depois Nepal, Namíbia e Vietnã. “No segundo semestre quero correr uma maratona por dia por seis meses, girando o Brasil, saindo do Rio de Janeiro e finalizando em São Paulo.” Como o personagem do cinema, ele também não para depois de chegar no ponto final da prova corrida.

Daniel Buarque

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Furious five!

Infográfico publicado no G1 em 27 de novembro de 2009, parte da cobertura especial sobre a diplomacia brasileira e a busca por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Quase relevante

Reportagem publicada no G1 em 27 de novembro de 2009. Trata da importância das Nações Unidas, do seu Conselho de Segurança e das chances de o Brasil copnseguir a almejada vaga de membro permanente. O gancho para a publicação era o atribulado ano da diplomacia brasileira e o lançamento do livro sobre os "cinco poderosos", nos Estados Unidos. Boa entrevista com pesquisador que entende do assunto e da relação interncaional brasileira.

Ação em Honduras pode ajudar Brasil a entrar 'de vez' no Conselho de Segurança

Ação em Honduras, convite a líderes do Oriente Médio para visitar o país, negociação com Estados Unidos, críticas à Colômbia, apoio à entrada da Venezuela no Mercosul. O ano de 2009 está sendo movimentado para a política externa do Brasil. O país vem tentando se comportar como um importante ator global, o que reforça sua popularidade internacional e pode ajudá-lo a se tornar um membro permanente no Conselho de Segurança, mais importante órgão da Organização das Nações Unidas.

O comportamento brasileiro nesses casos pode, entretanto, ter efeitos dúbios, ajudando por um lado e gerando potencial para atrapalhar por outro, segundo a análise de David Bosco, um pesquisador norte-americano especialista na história do importante conselho da ONU. Segundo ele, entretanto, o Brasil está agindo da maneira certa ao aproveitar o momento global perfeito para parecer uma nação sensata e equilibrada em meio às principais disputas.

O caso de Honduras, em que o Brasil interveio contra o golpe de Estado de junho e deu abrigo para que o presidente deposto, Manuel Zelaya, voltasse ao país, é bem emblemático de como o país pode fazer amigos por um lado e criar desconfiança por outro, explicou em entrevista ao G1.

“Hospedar Zelaya fez com que o Brasil ganhasse a admiração da maior parte dos membros da ONU, pois golpes de Estado vêm se tornando muito pouco populares. A questão é saber se os Estados Unidos concordam com a ação”, disse. Para o Departamento de Estados dos EUA, o abrigo a Zelaya dentro da embaixada pode não ter sido tão positivo, pois eles vêm como um maior risco para violência. A crítica a golpe de estado pode então aproximar mais membros da ONU como um todo, mas ser olhada com desconfiança pelos EUA.

No fim das contas, vai ser preciso saber como a questão vai ser solucionada para poder avaliar o resultado da diplomacia brasileira. “A situação em Honduras vem mudando muito desde o golpe, e vai ser preciso saber como as coisas vão caminhar para uma solução e de que forma a ação do Brasil pode ter ajudado na estabilização do país. Isso pode trazer um resultado ainda melhor.”

Chances reais
Autor de “Five to Rule Them All: The UN Security Council and the Making of the Modern World” (Cinco para comandar todos os outros: o Conselho de Segurança da ONU e a formação do mundo modern), livro que acaba de ser nos Estados Unidos, Bosco é professor de política internacional na Universidade American, em Washington DC e pesquisou a importância do Conselho de Segurança na estrutura internacional do planeta desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Segundo ele, faz sentido para o Brasil a busca por um assento permanente no conselho, e as chances de conseguir isso são reais.

“No começo das discussões sobre a criação da ONU, Franklin D. Roosevelt, presidente dos EUA, queria que o Brasil fosse um membro permanente e tentou convencer os outros países, mas os britânicos e soviéticos não concordaram. O Brasil foi considerado como um membro permanente desde o começo, e eles reconhecem o país como uma das economias mais importantes do mundo, se destacando ainda mais agora com as Olimpíadas. Os países do CS reconhecem o Brasil como uma potência. O Brasil vai estar no topo dos países que vão ser considerados para se tornar membros permanentes”, disse ao G1.

Segundo o pesquisador, além do Brasil, outros países que têm chances são a Índia e o Japão, mas este último com forte oposição da China, que pode fazer o país não conseguir. “Os outros membros permanentes vão se sentir confortáveis com o Brasil estando lá, o que faz com que a missão do país seja mais fácil.”

Ele diz que uma mudança no formato do Conselho de segurança é esperada, só não se sabe exatamente os termos em que isso vai acontecer. Em algum ponto no futuro, diz, haverá uma mudança na estrutura do CS, incorporando novos membros permanentes, mas sem permitir que mais países tenham poder de veto. “É provável que alguns membros permanentes sejam aceitos, mas não acho que a Assembleia Geral vá oferecer mais poder de veto a algum país. A única mudança é que esses membros vão fazer parte permanentemente, o que é muito importante no sentido de ter uma influência maior, um conhecimento e uma familiaridade com os procedimentos do CS.”

Poder e veto
Segundo Bosco, é importante considerar o fato de que o poder de veto não é mais tão usado quanto foi no passado. Durante a Guerra Fria, a União Soviética e os EUA usavam este poder muito frequentemente, mas, desde o fim do conflito, o número de vetos caiu significativamente. “Isso se tornou um tabu, algo negativo, que deveria ser evitado. É provável que os atuais membros permanentes mantenham seu poder de veto, mas usem cada vez menos, enquanto o CS pode passar a incorporar novos membros permanentes sem este poder.”

A dificuldade em mudar o Conselho de Segurança está no fato de que é preciso ter o apoio dos cinco países membros permanentes e de dois terços dos 192 países da Assembleia Geral. “Nos últimos dez anos, a assembleia se comprometeu em fazer um plano para mudar o CS, mas eles não conseguem chegar a um acordo. O problema é que não há consenso entre todos os membros da ONU sobre o formato desta reforma. Enquanto não houver um acordo neste sentido, com a maior parte dos países da ONU concordando, as coisas vão ficar paradas. Os membros permanentes estão felizes com as coisas paradas, pois isso mantém o status deles.”

Enquanto o órgão das Nações Unidas não muda, os membros temporários figuram com importância estatística, mas sempre de forma coadjuvante. Por um lado, têm importância em algumas situações, pois são necessários nove votos para passar qualquer decisão no CS, e mesmo que os cinco membros permanentes queiram decidir alguma coisa, precisam de apoio de mais quatro votos entre os temporários, pois o poder deles é de veto, não de imposição.

“Na prática, entretanto, o que importa é o que os membros permanentes decidem. Se os cinco países concordam em algo, fica difícil para os outros membros bloquearem a decisão, pois são cinco países muito poderosos, e é difícil imaginar uma coalizão de outros países para fazer oposição”, explicou. Se há uma divisão entre os membros permanentes, entretanto, os temporários podem se tornar mais importantes. “Isso foi percebido nos meses antes da guerra no Iraque, quando EUA e UK estavam disputando o apoio geral com França e Rússia.”

Bosco nega que a invasão do Iraque contra a indicação da ONU e do CS tenham minado a importância das Nações Unidas. “É verdade que muita gente achou que a guerra no Iraque faria com que o CS se tornasse irrelevante, mas a realidade é que o governo Bush, após a invasão do Iraque, e o governo Obama, estão buscando seus principais objetivos através do Conselho de segurança.”

Os dois exemplos mais claros disso são a questão nuclear no Irã e na Coreia do Norte, que são pontos centrais dos interesses norte-americanos. “O que se vê geralmente na história do CS é que ele tem altos e baixos, sendo irrelevante em algumas crises e muito importante em outras. Neste exato momento, diria que ele é muito relevante, e que a guerra no Iraque não o afetou como algumas pessoas esperavam.”

Daniel Buarque